ÁGUAS SUBTERRÂNEAS SOFREM COM A EXPLORAÇÃO DESMEDIDA DO SOLO

10/01/2011 19:14

 

Exploração desordenada do solo, problemas de poluição e contaminação “podem comprometer o uso das águas subterrâneas num futuro mais próximo do que se imagina”, o alerta é da advogada e especialista no tema, Luciana Cordeiro de Souza.

 

Ela ressalta que “infelizmente no Brasil o conhecimento técnico sobre águas subterrâneas é muito recente”, suas pesquisas demonstraram que somente a partir da década de 1960, foram feitos os primeiros mapas hidrogeológicos. 

 

Segundo ela, os Estados devem gerenciar e legislar sobre essa riqueza hídrica, a água subterrânea, porém, são poucos os governos estaduais que “efetivaram” o papel constitucional de legislar. E uma das legislações mais avançadas sobre o tema é do Estado de São Paulo. 

 

Embora poucos Estados legislem sobre as águas subterrâneas e os aqüíferos, a especialista não acolhe a proposta de que esse tema passe a ser gerenciado pelo governo federal. “Se, nos dias de hoje, com a gestão dos recursos hídricos nas mãos dos Estados, encontramos tamanho descaso, tememos por uma centralização da União”, afirma.  

 

Ela defende a tese de que o Município também deveria conhecer melhor o potencial hidrogeológico de sua área e com isso ordenar o uso do solo “com o olhar voltado a proteção das águas subterrâneas”.

 

Luciana Cordeiro de Souza é doutora e mestre em Direito das Relações Sociais - Direito Ambiental - pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica). Fez o doutorado com a orientação do professor Nelson Nery Junior, com a tese “Mudanças de paradigmas no uso e ordenação do solo em face da necessária proteção das águas subterrâneas”. O mestrado teve a orientação de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, quando então tratou da “Água: bem ambiental”. Atualmente, ela é coordenadora da Pós-Graduação, Lato Sensu, em Direito Ambiental do UNIANCHIETA.

 

Outro tema no qual ela também se especializou é o Aquífero Guarani, importante corpo hídrico subterrâneo situado sob os territórios da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. 

 

Veja a entrevista exclusiva que Luciana Cordeiro de Souza concedeu ao Observatório Eco. 

 

 

Observatório Eco: Embora no dia a dia, muitos não imaginem grande parte do abastecimento é proveniente de água subterrânea. Contudo, em relação aos aqüíferos parece faltar uma legislação que se preocupe mais com a preservação e não tanto com a exploração? 

 

Luciana Cordeiro de Souza: Nosso país possui dimensões continentais e apesar das diferentes características regionais, foi abençoado com água liquida doce em grande quantidade tanto na superfície como no subsolo. E coube aos estados membros gerenciar as águas subterrâneas, e isto se dá através de lei, temos 27 unidades da federação que deveriam legislar sobre o tema e cuidar desta imensa riqueza hídrica subterrânea, porém poucos as unidades que efetivaram seu papel constitucional de legislar.  

 

Assim, em muitos estados, a falta de legislação protetiva aliado ao desconhecimento das potencialidades dos aqüíferos geram o descaso e as ocorrências de super exploração.

 

O fato é que apesar das águas subterrâneas serem utilizadas desde tempos imemoriais, ainda é tratada como água de segunda classe, e não como reserva estratégica da humanidade.

 

Vale ressaltar que infelizmente no Brasil o conhecimento técnico sobre águas subterrâneas é muito recente, minhas pesquisas demonstraram que somente a partir da década de 1960, foram feitos os primeiros mapas hidrogeológicos.

 

Na década de 1970, foram criadas as instituições referentes aos recursos hídricos subterrâneos; já na década de 1980, é que as águas subterrâneas tomaram impulso, com o resultado do crescente aumento de profissionais na área de hidrogeologia e graças ao desenvolvimento na tecnologia para perfuração e construção de poços e com o uso racional das águas subterrâneas.

 

Mas foi a partir da década de 1990 que outras questões referentes às águas subterrâneas foram se transformando em preocupação e foco de pesquisa dos profissionais dessa área, questões essas referentes à vulnerabilidade dos aquíferos e sua contaminação. Entramos no século XXI com a missão de encontrarmos soluções para esses questionamentos, bem como fortalecer os vínculos entre os diversos profissionais ligados aos recursos hídricos.

 

Observatório Eco: Existe também o grave problema da contaminação do solo afetando a saúde destes recursos subterrâneos. Como lidar com esse problema?

 

Luciana Cordeiro de Souza: Qualquer alteração na qualidade de água subterrânea de origem antrópica, no sistema aqüífero, é denominada poluição e, quando essa alteração ou degradação da qualidade natural das águas subterrâneas atinge níveis que podem afetar, de forma prejudicial, a saúde humana e dos animais que o consomem, é denominada contaminação.

 

As águas subterrâneas sofrem constantes riscos de contaminação, pois, a cada dia mais ouvimos falar sobre vazamentos, derramamentos de produtos tóxicos, ou seja, fontes pontuais de contaminação, mas não atentamos para problemas mais graves que caracterizam riscos sérios tanto à água como à vida. Trata-se de fontes contínuas de poluição das águas subterrâneas, e os técnicos têm buscado informações sobre essas fontes que estão a comprometer a qualidade de nossos recursos hídricos subterrâneos. São essas as principais fontes de contaminação das águas subterrâneas: postos de gasolina, aterros/lixões, suinocultura, cemitérios, agricultura, atividades minerárias, etc.

 

O Plano Nacional de Recursos Hídricos do Ministério de Meio Ambiente, em cartilha elaborada em 2004, declara a vulnerabilidade dos nossos aqüíferos ao afirmar que “os recursos hídricos subterrâneos brasileiros estão sujeitos a uma série de riscos, dentre eles importante citar: a contaminação das águas subterrâneas por efluentes sanitários e industriais, agrotóxicos, fertilizantes, substâncias tóxicas provenientes de vazamentos, como, por exemplo, tanques de combustível. A gravidade da contaminação está relacionada à toxidade, persistência, quantidade e concentração das substâncias que alcançam os mananciais subterrâneos.”

 

O Governo do estado de São Paulo, através do Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE, também explica como ocorre a poluição dos aqüíferos: “ocorre quando os poluentes chegam ao solo, que pode absorvê-los como se fosse uma esponja; porém, muitas vezes, estes poluentes chegam até a água subterrânea. A poluição das águas subterrâneas pode ocorrer por duas vias distintas: uma, pelo transporte de poluentes pelas águas de chuva, que rapidamente se infiltram até alcançar os níveis de água subterrânea; ou quando os poluentes já atingiram o aquífero e se locomovem lateralmente.”

 

É imperioso que o Município conheça seu potencial hidrogeológico e com isso passe a ordenar o uso do solo o faça com o olhar voltado a proteção das águas subterrâneas, acredito no importante papel deste ente federativo nesta proteção.

 

Em meu doutorado defendi esta tese, pois aliado as legislações existentes, a efetividade da proteção dos aqüíferos se dará com a implantação da ferramenta, que batizei de “Zoneamento Especial Ambiental”, que consiste em, identificadas as áreas vulneráveis dos aqüíferos, sua recarga, principalmente, o Município legisle o uso do solo nestas áreas contemplando a proteção das águas subterrâneas, prevenindo poluição e contaminação. Trata-se de uma mudança de paradigmas, o município ordenará o uso do seu solo a partir do seu subsolo.

 

Afinal, é no município que a vida acontece!

        

Observatório Eco: O Estado de São Paulo tem uma legislação específica que trata das águas subterrâneas, até que ponto essa legislação é positiva? Afinal, nos últimos anos esse tema tem recebido mais atenção e estudos técnicos e a lei paulista é de 1988. Há um descompasso nessas regras estaduais e os novos diagnósticos sobre o tema? Ou essa legislação pode ser tida como uma referência sobre o tema?

 

Luciana Cordeiro de Souza: O pioneiro no sentido de legislar sobre a preservação das águas subterrâneas foi o Estado de São Paulo, com a Lei n. º 6.134, de 2 de junho de 1988, regulamentada pelo Decreto de n.º 32.955, de 7 de fevereiro de 1991.

 

São Paulo criou a Lei nº. 7.663, de 30 de dezembro de 1991, que instituiu a Política Estadual de Recursos Hídricos que abrange as águas subterrâneas (modelo para Lei federal 9.433/97), e que em seu art. 3º, I, estabeleceu dentre seus princípios o gerenciamento integrado da água superficial e subterrânea do ciclo hidrológico. Em seu art. 4º, I, disciplina a utilização racional dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, assegurando o uso prioritário para o abastecimento das populações. Ainda, temos em seus artigos 9º a 13, dispositivos referentes à outorga de direitos de uso dos recursos hídricos subterrâneos, regulamentados pelo Decreto n.º 41.258, de 31 de outubro de 1996.

 

Assim, no conjunto legal paulista, esses diplomas legais estão em consonância com a Constituição Federal de 1988 que eleva o meio ambiente a clausula pétrea, nela inserida a água superficial e subterrânea, por se tratar de bem ambiental, portanto de natureza difusa, conforme art. 225. E, com a Constituição Paulista de 1989, que em seus arts. 205 a 213 disciplinam sobre meio ambiente, recursos hídricos e saneamento.

 

A referida lei bandeirante de água subterrânea – Lei n.º 6.134/88, que em seu art. 4º, § 2.º prevê órgãos competentes para avaliação e fiscalização do uso das águas subterrâneas, bem como são eles responsáveis na adoção de medidas contra a contaminação dos aqüíferos e deterioração das águas subterrâneas. E em seu Decreto regulamentador n.º 32.955/91, nos arts. 7º e 13, nomeia e distingue os órgãos e suas funções.

 

Merece destaque o art. 5º da Lei 6.134/88, que diz respeito aos resíduos líquidos, sólidos ou gasosos, provenientes de atividades agropecuárias, industriais, comerciais ou de qualquer outra natureza, que somente poderão ser conduzidos ou lançados de forma a não poluir as águas subterrâneas. E no § único, sujeita o infrator às penalidades previstas na legislação ambiental, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. Entendemos que se dará a tríplice responsabilidade constitucional ambiental (art. 225, § 3º da CF/88) combinado com a lei dos Crimes Ambientais - Lei n.º 9605/98. Este artigo foi regulamentado pelo art. 17 do Decreto n.º 32.955/91.

 

O art. 6º da Lei 6134/88 condiciona a apresentação previa de estudos hidrogeológicos para a implantação de distritos industriais e de grandes projetos de irrigação, colonização e outros, quando dependam da utilização de águas subterrâneas, de acordo com o art. 26 a 29 do seu Decreto regulamentador, a ser apresentado aos órgãos descritos nos arts. 7º a 13 do mesmo Decreto, ou seja, condiciona o uso do solo a proteção das águas subterrâneas. 

 

Já o artigo 9º, da Lei n.º 6.134/88, determina que sempre que necessário o Poder Público instituirá áreas de proteção aos locais de extração de águas subterrâneas, a fim de possibilitar a preservação e conservação dos recursos hídricos subterrâneos.

 

Disposição esta que encontramos regulamentada no art. 20, do Decreto n.º 32.955/91, classificando as Áreas de Proteção em   Área de Proteção Máxima, Área de Restrição e Controle e Área de Proteção de Poços e outras Captações, que nos artigos subseqüentes são apresentadas as restrições ao uso do solo nesta áreas.

 

A legislação bandeirante ao estabelecer referidas Áreas de Proteção para os aqüíferos situados no território de São Paulo inaugurou importantes instrumentos de planejamento urbano. E sendo a lei estadual de competência especial, os seus municípios devem respeitá-la.

 

Os problemas de contaminação e exploração desordenada podem comprometer o uso das águas subterrâneas num futuro mais próximo do que se imagina.

 

O chamado Perímetro de Proteção de Poços deve ser considerado também, como importante instrumento técnico de proteção e conservação dos aqüíferos. Ferramenta de suporte para o princípio da prevenção. Assim como o cadastro de poços a cargo do DAEE, que vem sendo continua e paulatinamente efetuado no sentido de levantar dados sobre o número de poços existentes no Estado, a fim de possibilitar a gestão deste importante e estratégico recurso hídrico.

 

De forma a demonstrar a efetividade da lei paulista e seu decreto regulamentador, em face das inúmeras ocorrências de super-exploração e contaminação das águas subterrâneas no Estado de São Paulo, e conforme permissivo legal presente no art. 7º da Lei 6134/98 e no art. 19 do seu Decreto n.º 32955/91, o governo por meio de seu Conselho Estadual de Recursos Hídricos, editou a Resolução CRH de n.º 52/05, para restringir as “seis áreas potencialmente criticas no estado de São Paulo, que apresentam problemas de super-exploração, com a perfuração de poços além da capacidade dos aqüíferos, e cujas águas subterrâneas estão contaminadas ou com riscos de contaminação.”

 

Uma importante ferramenta técnica, que visa auxiliar e facilitar a administração das águas subterrâneas do Estado de São Paulo e trazer subsídios na efetiva aplicação dos diplomas legais existentes, é o recém lançado Mapa de Águas Subterrâneas do Estado de São Paulo, fruto de um trabalho conjunto do DAEE, IG, IPT e CPRM.

 

O Mapa representa o panorama geral da localização, distribuição geográfica, características e potencialidades dos aqüíferos no território estadual. Assim, o SIGRH passa a contar com mais um subsidio técnico voltado ao planejamento e à gestão.

 

Não podemos esquecer que a água subterrânea possui uma interdependência com a superficial, contribuindo para manter os fluxos de muitos rios de nosso país. Dessa forma, sua gestão não pode ser dissociada da superficial.

 

O arcabouço legal paulista sobre águas subterrâneas é extremamente bem estruturado, e sua efetividade dependerá da integração de esforços dos órgãos responsáveis por esta gestão, bem como da integração das águas superficiais e subterrâneas nas Bacias Hidrográficas, e da participação efetiva do município que tem a competência constitucional de gerir e ordenar o solo das cidades, e sabemos que a chave para a proteção da qualidade das águas subterrâneas encontra-se no uso do solo.

 

Observatório Eco: Os recursos hídricos subterrâneos, de acordo com a Constituição Federal, são bens dos Estados, conforme o artigo 26, inciso I. Porém, a PEC 43/00 quer transferir a gestão destes recursos para a União. Qual a sua avaliação deste novo entendimento? Seria a forma mais adequada para preservar e gerenciar o uso deste bem? Justifica-se tal mudança?

 

Luciana Cordeiro de Souza: Podemos observar que os autores desse projeto equiparam as águas subterrâneas e seus aqüíferos com as águas superficiais, como se fosse totalmente possível precisar onde começa e termina um aqüífero, se ele é compartimentado ou fragmentado.

 

Faltam estudos e pesquisas com resultados precisos sobre nossos recursos hídricos subterrâneos, pois há muito que se desvendar para um conhecimento desse bem e, portanto, é impossível, tecnicamente, propor a mesma forma de gestão entre as águas subterrâneas e superficiais, sem levar em conta as características geológicas dos seus reservatórios, sua ocorrência e movimento, suas áreas de recarga e descarga, ou seja, toda a análise de sua dinâmica.

 

Temos certo que há aqüíferos dentro dos limites territoriais de um único Estado, outros que ultrapassam as fronteiras estaduais e, ainda, o Aquífero Guarani que ultrapassa fronteiras internacionais. Podemos ver onde um rio começa e termina, sabemos quais porções territoriais dele dependem e as quais ele alimenta com suas águas; mas pouco se conhece sobre as águas subterrâneas, por isso a descoberta de tantos casos de contaminação ou iminência de poluição a esses recursos.

 

Na questão dos recursos hídricos superficiais, sabemos que os cursos d’água presentes dentro dos limites estaduais são de competência do Estado; os que ultrapassam os limites estaduais são de competência federal; e, para os que ultrapassam os limites das fronteiras nacionais, foram estabelecidos tratados internacionais de gestão integrada para sua utilização.

 

Uma coisa é certa, as águas subterrâneas foram recepcionadas pelo Texto Constitucional em seu art. 26, I; onde foi disciplinado a quem cabe a sua gestão, sendo conferida aos Estados a gerência desse importante bem. Ainda, poderíamos até falar em contra-senso legislativo a aprovação do PEC 43/00, vez que a própria Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos traz como bandeira, a descentralização na gestão dos recursos hídricos e, da forma que se pretende, haverá um retrocesso legal, com uma centralização nas mãos da União das águas subterrâneas existentes sob o território brasileiro.

 

Se, nos dias de hoje, com a gestão dos recursos hídricos nas mãos dos Estados, encontramos tamanho descaso, tememos por uma centralização da União. Temos que aprovar medidas legais no sentido de proteger a qualidade das águas subterrâneas, cuidar, conservar, prevenir e defender esse bem e com importante destaque para a necessidade de implantação de programas de despoluição das bacias hidrográficas, devido à interface existente entre águas subterrâneas e águas superficiais. Quanto aos aqüíferos compartilhados com outros Estados ou países, acreditamos que deverão ser estabelecidos acordos de cooperação na utilização desses recursos, estabelecendo-se uma gestão integrada. Portanto, vemos que a competência deve permanecer em sede estadual.

 

Observatório Eco: O Aquífero Guarani, é um aquífero que também se estende por outros países, Argentina, Uruguai e Paraguai. De que forma estes países legislam sobre águas subterrâneas? São entendimentos semelhantes ao nosso, ou há grande diferença?

 

Luciana Cordeiro de Souza: Há 30 anos o aquífero Guarani era praticamente desconhecido, a ponto de receber apenas uma menção, de passagem, quando uma equipe técnica da OEA elaborou o relatório que serviu de base para o plano de aproveitamento integral da Bacia do Prata (1969), lembra Gerôncio Rocha.

 

Sabemos que o Aquífero Guarani é um importante corpo hídrico subterrâneo transfronteiriço situado sob os territórios da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Sendo que nos espaços entre os grãos minerais dos arenitos está armazenado um enorme volume de águas, que em geral apresenta boa qualidade. A água é extraída por meio de poços distribuídos pelo território do aqüífero. O principal uso do Guarani é o abastecimento urbano, especialmente nas proximidades das zonas de recarga. Também apresenta águas quentes nas zonas confinadas profundas, que são utilizadas principalmente para o uso recreativo.

 

Em 2003 foi criado o Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aquífero Guarani (SAG) com o propósito de apoiar os 4 países na elaboração e implementação de um marco comum institucional, legal e técnico de gerenciamento e preservação do Aquífero para as gerações presentes e futuras. 

 

Em 2008 participei do Projeto SAG representando o Brasil, notadamente o Estado de São Paulo, dentro do Programa de Fortalecimento Institucional, na qualidade de Pasantia (Estágio Profissional) como Especialista Legal de Recursos Hídricos, com o objetivo de efetuar um minucioso levantamento de toda a legislação brasileira sobre recursos hídricos e suas interfaces (solo, flora, etc.), nos âmbitos federal e estadual (São Paulo). Durante a execução deste desafio, foi possível conhecer também os diplomas legais referentes a recursos hídricos dos demais países e oferecer neste trabalho informações sobre o arcabouço legal do tema, em vigência no Uruguai, Paraguai e Argentina.

 

Os países que detêm o Sistema Aquifero Guarani sob seus territórios logicamente possuem seus próprios ordenamentos legais, porém, vale destacar as inúmeras diferenças encontradas entre eles, quer no tocante à sua dominialidade, como na própria forma da proteção legal adotada nestes Estados soberanos quanto aos recursos hídricos, notadamente subterrâneos.

 

Quanto à dominialidade da água encontramos divergências nos ordenamentos destes quatro países. Para o Uruguai tanto as águas superficiais como as subterrâneas, exceto as pluviais, integradas no ciclo hidrológico, constituem um recurso unitário, subordinado ao interesse geral, que forma parte do domínio estatal, como domínio público hidráulico. Na Argentina, a água é propriedade das províncias, e segundo o Código Civil de 1968, as águas subterrâneas são de domínio público, mas algumas legislações províncias ainda as consideram privadas. No Paraguai, pela Constituição se interpreta a água como sendo de domínio público, mas há divergência entre os Códigos Civil e Rural onde há previsão de águas privadas. No Brasil, a situação não é diferente, na Constituição Federal de 1988 a água é tida como bem de uso comum do povo – bem difuso, conforme previsão no seu art. 225, caput. Não obstante, a Lei Federal n.º 9433/97, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos, apresenta a água como um bem de domínio público (art. 1º, I). Já as águas subterrâneas tidas como minerais (Decreto 227/67) estão sob domínio federal e as não minerais dos Estados. E, por fim, o Código das Águas (arts. 8º e 103) e o Código Civil (art.1290), estabelecem as nascentes e as águas pluviais como particulares. Acredito que tais dispositivos legais devem ser considerados inconstitucionais, pois toda água faz parte do ciclo hidrológico.

 

No tocante aos ordenamentos legais existentes em cada um dos quatro países visando à proteção dos recursos hídricos, também encontramos grandes discrepâncias: No Uruguai, as leis e os decretos do Poder Executivo são de aplicação nacional. Na Argentina não existe uma lei federal de águas, as leis provinciais se referem mais as Instituições do que a gestão das águas e a uma política hídrica nacional. No Paraguai há o Decreto Lei de 1948 que traz normas referentes as águas públicas, mas que não se cumpre. Não existe lei de águas, estão legislados os serviços de água e saneamento, a evolução do impacto ambiental e a proteção de áreas silvestres. Há algum tempo se discute um projeto de Código de Águas, existindo, inclusive, três versões do Código. No Brasil temos decretos, leis, resoluções e portarias que visam disciplinar sobre recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

 

Vale destacar que o Brasil encontra-se na vanguarda legislativa, com um vasto e profícuo arcabouço legal. Porém, isto não significa que nossos recursos hídricos estejam mais protegidos em relação aos demais países que compartilham o Aquífero Guarani, ou que referidos ordenamentos ofereçam a efetividade desejada.

 

E sobre um documento internacional para a gestão integrada do Aquífero Guarani, vale anotar que recentemente, em nota a imprensa, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, deu publicidade ao Acordo sobre o Aquífero Guarani formalizado em 02/08/10, em San Juan – Argentina.

 

Neste acordo, entre outros, estabelece-se que cada país é considerado “Parte”, que cada Parte exerce o domínio territorial soberano sobre suas respectivas porções do Sistema Aquífero Guarani, de acordo com suas disposições constitucionais e legais e de conformidade com as normas de direito internacional aplicáveis; que cada Parte deve promover a gestão, o monitoramento e o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos do Sistema Aquífero Guarani, e utilizarão esses recursos com base em critérios de uso racional e sustentável e respeitando a obrigação de não causar prejuízo sensível às demais Partes nem ao meio ambiente; que As Partes procederão ao intercâmbio adequado de informação técnica sobre estudos, atividades e obras que contemplem o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos do Sistema Aquífero Guarani; que As Partes cooperarão na identificação de áreas críticas, especialmente em zonas fronteiriças que demandem medidas de tratamento específico; que as controvérsias e conflitos serão dirimidos por uma Comissão das Partes; entre outras várias disposições. Sendo que o Acordo entrará em vigor no trigésimo dia contado a partir da data em que tenha sido depositado o quarto instrumento de ratificação. E sua duração será ilimitada.

Por Roseli Ribeiro

Fonte: Observatório Eco