MADAME LATINHAS E A DIFERENÇA ENTRE RECICLAGEM DE ALUMINIO E PILHAS

MADAME LATINHAS E A  DIFERENÇA ENTRE RECICLAGEM DE ALUMINIO E PILHAS

 

Interessante como algumas experiências só são valorizadas com o tempo. Aconteceu num final de semana meio atribulado que eu havia combinado um jantarzinho em casa. Como chegara de viagem na noite anterior e tivera trabalhado no sábado de manhã, havia pouco tempo para usar meus escassos dotes culinários para o evento da noite. Fui rapidamente comprar a sobremesa e quando liguei a chave do carro nada de sinal, depois de algumas tentativas sem sucesso, respirei fundo, liguei para o seguro e decidi que o mais racional seria aproveitar aquele tempo livre forçado para ler alguns artigos que trazia comigo.

 Enquanto eu lia encostada no carro apareceu ela, tranqüila, roupa larga, puxando assunto e ignorando minha leitura. Perguntou do defeito do carro, falou sobre o dia e se elogiou como cuidadora de carros de rua. Numa das idas e vindas, catou uma latinha vazia do lixo e começou a falar que os netos usavam o dinheiro da reciclagem de alumínio para comprar material escolar e doces. Precisava de setenta e cinco latinhas para fazer um quilo e o ideal era juntar o equivalente a vinte quilos para os meninos pagarem suas despesas. Ela gostava de ajudar principalmente na época que o preço do alumínio caía e inviabilizava o doce dos meninos.

 Madame latinhas e seus netos fazem parte da extensa rede de catadores, grandes responsáveis pelo índice brasileiro de mais de 90% de reciclagem de alumínio. Além de contribuir com a economia familiar, o processo também beneficia o planeta, pois para produzir alumínio através da reciclagem se gasta apenas 5% do que se gastaria de energia para produzir pelo processo primário.

 Quando a reciclagem passa a ser de pilhas e baterias, em vez de latas de alumínio, a situação muda de figura! Por não trazer benefício social direto, as pilhas e baterias carecem de estrutura facilitadora. No Brasil esse processo é pouco difundido e se por vezes existe o real interesse do cidadão em promover o descarte adequado, ele não encontra meios de fazê-lo.

Algumas empresas desenvolvem projetos de coleta de pilhas e baterias por meio de seus programas de responsabilidade social, mas embora estas iniciativas sejam louváveis, são insuficientes para atender a quantidade de aproximadamente um bilhão de pilhas que são comercializadas anualmente no país.

 A questão foi parcialmente resolvida com a resolução CONAMA 257/263 de 1999, que regulamentou o descarte e gerenciamento ambientalmente correto das pilhas e baterias que contém chumbo, cádmio, mercúrio e seus compostos. Além disso, também estabeleceu limites máximos destes componentes na fabricação das pilhas. Acontece que no artigo 13 desta resolução consta que as pilhas que obedecerem aos limites previstos poderão ser descartadas da mesma maneira que os resíduos domiciliares em aterros sanitários licenciados. E é aí que se contesta a resolução, pois boa parte dos aterros sanitários brasileiros não é adequada, além de que cerca de um terço das pilhas nacionais são importadas e de procedência duvidosa.

 Aliado a isso, também se questiona que uma ou poucas pilhas podem ter pequena quantidade de material tóxico, porém quando são milhões o resultado passa a ser muito significativo. As pilhas levam séculos para se decompor e o grande problema está no vazamento dos produtos químicos internos que contaminam solo, água subterrânea, plantas e animais.

É necessário que cada cidadão procure em sua comunidade programas que tenham pontos coletores de pilhas e baterias. Não havendo, é interessante organizar um programa, lembrando de envolver alguma escola, conseguir patrocinadores e descobrir o local mais próximo para a destinação adequada. Tudo seria mais fácil se houvesse estrutura similar à das latinhas de alumínio!

 Bem, quando finalmente o mecânico descobriu que o problema no meu carro era apenas mau contato na chave de ignição, consegui ligar o carro para ir embora. E de longe vi madame latinhas toda faceira se despedindo de mim: Boa sorte madame!

 Silvia Guimarães

Fonte: https://silviaguimaraes.info/blog