PAULO AFFONSO LEME MACHADO, O CRÍTICO DO DIREITO AMBIENTAL

PAULO AFFONSO LEME MACHADO, O CRÍTICO DO DIREITO AMBIENTAL

 

“Precisamos aperfeiçoar as leis que temos” é a opinião do jurista ambientalista, Paulo Affonso Leme Machado, quando avalia as leis ambientais existentes no Brasil. Ele questiona, por exemplo, a lei que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos, que não permite ao Comitê de Bacia Hidrográfica participar da escolha de quem irá receber a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos. 

Nada escapa ao jurista, seja a lei mal formulada, ou a interpretação que busca fugir das responsabilidades ambientais, notadamente, dos agentes poluidores. Direito da informação, princípio da participação, compensação ambiental, os riscos da exploração de petróleo e a obrigação do poder público de controlar o risco ambiental são alguns dos temas levantados pelo jurista durante o Congresso Internacional “O novo no direito ambiental por Michel Prieur”, realizado pela Procuradoria Regional da República, em São Paulo.

Paulo Affonso Leme Machado, na década de setenta, se tornou mestre em direito ambiental pela Universidade de Strasbourg, (França), tendo como orientador Michel Prieur, e definitivamente abraçou a matéria. Professor atuante dedicou-se a dar aulas no Brasil e na França. Influencia desde então, toda uma geração de operadores do Direito, e demais seguidores engajados na defesa e preservação do meio ambiente.

Autor de várias obras, entre elas, “Direito Ambiental Brasileiro”, “Direito à Informação e Meio Ambiente”, “Direito dos Cursos de Água Internacionais”. Em 2006, se tornou doutor em direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) com o tema direito à informação ambiental.

Foi agraciado com o Prêmio Internacional de Direito Ambiental Elizabeth Haub, recebeu o título de doutor “Honoris causa”, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pós-doutor pela Universidade de Limoges (França), atualmente, é responsável pelo curso de mestrado em direito ambiental da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba).

Direito à informação ambiental

Paulo Affonso Leme Machado defende que a “informação ambiental deve ser prestada de forma contínua e fácil” para o cidadão. Todos sabem que precisamos de informação para agir, mas ele alerta que existem diversas formas de não informar. Várias formas de “subtrair”, “negar” e “ocultar” a informação. “Deixando a sociedade desinformada”.

Embora o especialista reconheça que o tema tenha evoluído, desde a lei 6.938/81, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente, e recentemente a lei a 10.650/2003, que dispõe sobre o acesso aos dados e informações ambientais existentes nos órgãos públicos, ainda convivemos com falhas na prestação da informação.

Ele inclusive dá um exemplo simples a falta de colocação em uma obra da placa informativa de licenciamento. “Se você passar pela rua e encontrar uma nova obra, um novo prédio, passar pelo local onde está sendo construída uma indústria, você não tem uma placa, nem pequena nem grande, dizendo esta obra está licenciada ambientalmente, está em tal fase a licença, o número do processo, onde você poderá se aprofundar mais para saber o que está ocorrendo”, critica.

“Considero isso uma das falhas da informação, afinal nós temos que possibilitar a informação de maneira contínua, e de maneira fácil”, reforça. “Não podemos tornar a informação difícil, mandar a pessoa ver só o site da Cetesb, o órgão ambiental do estado de São Paulo. Olhar o Diário Oficial, isto é corriqueiro, é básico na informação, precisamos evoluir no sentido de informar, precisamos fazer uma reformulação prática da informação”, sugere o jurista.

A participação e a defesa do meio ambiente

A participação do cidadão na defesa do meio ambiente é um dos maiores desafios da sociedade moderna, na opinião do jurista. Ao abordar a questão ele afirma que nossa sociedade está acostumada com a democracia representativa, eleições periódicas, em que delegamos o nosso poder aos eleitos.

Diante desta postura se torna “difícil inserir-se no cotidiano o direito da participação. E essa questão reflete muito no direito ambiental”. O especialista alerta, que o direito ambiental atinge a todos, seja em questões como a água, o ar poluído, ou a construção de prédios em áreas contaminadas, citando o exemplo da cidade de Mauá (SP), local onde foi construído um condomínio de diversos prédios em área contaminada, “vemos que faltou uma chance de participação para obstar aquela autorização, aquela licença ambiental, ou que não há um monitoramento dos órgãos públicos”, avalia.

Leme Machado também questiona a lei de Política Nacional de Recursos Hídricos (lei 9.433/97), embora reconheça algumas qualidades da legislação, “uma lei bem estruturada, que tem influencia do modelo francês”, critica, por exemplo, a estrutura do Comitê de Bacia Hidrográfica.

Para o especialista, o poder do comitê deveria traduzir uma força participativa da sociedade, entretanto, “notamos uma ausência de participação no momento da outorga dos direitos de uso” e completa, “essa outorga é dada monocraticamente, é um órgão do executivo, seja executivo federal ou estadual. E a sociedade civil não é consultada sobre o quanto de água se dá, para quem se dá, como se pode suspender essa outorga”, enfatiza.

“A própria lei 9.433/97, a meu ver quando elenca os poderes do comitê de bacia deveria melhorar, o único poder que o comitê tem em relação às outorgas é o estabelecimento do Plano de Recursos Hídricos, que fica um pouco distanciado do dia a dia das águas, sem dizer quais são as prioridades nas outorgas”, defende.

“Precisamos refletir sobre isso, dizer, leis nos temos, basta executá-las, é um equívoco, é preciso aperfeiçoar as leis que temos”, alerta o especialista.

Compensação ambiental

Sobre o decreto que trata da compensação ambiental em obras, o jurista argumenta, que o direito de compensar os danos decorrentes de uma obra, ou o pagamento feito pelo empreendedor não deve ser considerado um “salvo conduto ou imunidade para poluir o meio ambiente”.

O decreto federal 6.848/2009 equivocou-se em seu artigo 31 A ao fixar um teto de 0,5 por cento, ou seja, um grau de impacto ambiental. Para o especialista, de acordo com decisão proferida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o impacto ambiental de uma obra deve ser avaliado em sua totalidade pelo órgão ambiental. A compensação ambiental deve ser feita considerando todo o impacto produzido pela obra no meio ambiente, não existindo um percentual mínimo ou máximo.

A lei 9.985/2000 determina que o dano seja totalmente mensurável de acordo com o grau de impacto ambiental. O decreto 6.848/2009 não pode fixar parâmetros mínimos ou máximos de compensação, no entendimento do especialista.

Responsabilidade ambiental da exploração de petróleo

Segundo, o jurista aquele que agir com probabilidade de danificar o meio ambiente, ou efetivamente danificá-lo, deve reparar o dano independente da conduta lesiva. Trata-se da responsabilidade objetiva ambiental fixada na lei 6.938/1981, em seu artigo 14.

O especialista alerta que “a administração pública não pode intencionalmente desconsiderar os valores ambientais constitucionais, são valores indisponíveis, que não lhe pertencem”.

Para o jurista é importante salientar que dentro da atividade petrolífera, embora seja concedida autorização para a descarga de óleo, inclusive da água de lastro, isso não desobriga o responsável de reparar os danos causados ao meio ambiente pelo lançamento desta poluição, nem tão pouco o isenta de pagamento pelos prejuízos causados ao meio ambiente. “A autorização não é um alvará para a poluição residual”, enfatiza o especialista. Ele ressalta que a autorização tira a ilicitude administrativa, mas a própria lei afirma que não desobriga o responsável de reparar os danos e indenizar as atividades econômicas e o patrimônio público e privado pelos prejuízos decorrentes.

As autorizações concedidas pela Agência Nacional de Petróleo, Ibama e Agência Nacional de Águas, “não geram direitos de poluir, e nem isentam as empresas, inclusive a Petrobras, do dever legal de prevenir e reparar os danos ambientais”.

Obrigação do poder público de controlar o risco ambiental

O jurista alerta, também para a importância de insistirmos na aplicação do principio da precaução, para a preservação do meio ambiente ecologicamente preservado previsto no artigo 225 da Constituição Federal.

Ressalta que esse princípio já estava previsto na lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) e volta a ser elencado na recente Lei de Política de Resíduos Sólidos, lei 12.305/2010.

Conta que em 1989 ao redigir um projeto de lei para o Estado de São Paulo sobre agrotóxicos, escreveu um artigo tratando do retorno das embalagens contaminadas deste produto, artigo esse “que durou três dias e foi eliminado pelo governador da época”. Hoje o especialista avalia com satisfação que a lei que trata dos resíduos sólidos fixa essa responsabilidade. Mas alerta que precisamos buscar também o cumprimento das leis ambientais, não basta estar previsto na lei, é preciso dar efetividade aos direitos. Exercer a cidadania ambiental.

Roseli Ribeiro

Fonte: Observatório Eco